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O lado podre da mendigagem


Marisa Fonseca Diniz


Há mais de 20 anos estudando o comportamento humano nas organizações empresariais e na sociedade de modo geral, ainda tem feito com que fique pasma diante do comportamento humano. A cada dia que passa é perceptível que uma boa parte das pessoas ainda acredita que a melhor forma de obter sucesso é explorando a bondade alheia.

Há diversas plataformas na internet de crowdfunding, financiamento coletivo, que tem como objetivo principal levantar recursos financeiros para a realização de projetos sociais, tecnológicos e culturais, sendo este recurso muito utilizado para alavancar investimentos às startups, que se encontram em processo inicial de funcionamento. 


As plataformas colaborativas funcionam da seguinte maneira: empreendedores/pessoas cadastram seus projetos e apresentam por meio de um texto ou vídeo os objetivos e a finalidade dos recursos financeiros a serem arrecadados, tais como o valor pretendido a ser alcançado e a data limite para a arrecadação. Compartilham a ideia nas redes sociais e profissionais, que acabam atraindo investidores e pessoas interessadas em contribuir financeiramente para que o projeto cadastrado consiga almejar a meta desejada.

A ideia é excelente para quem precisa de dinheiro rápido e sem burocracia para investir em um projeto, no entanto, há algumas pessoas que tem usado estas plataformas com outros objetivos, o que tem prejudicado os indivíduos bem intencionados. O modismo de viajar sem dinheiro tem ganhado às redes sociais, principalmente às vinculadas a uma das  maiores plataformas de vídeos, com a desculpa de ganhar curtidas e inscrições, fazendo com que o público acredite que estes indivíduos mal intencionados realmente ganham dinheiro com isso, ledo engano.

Não é raro encontrar pelas estradas do país afora aventureiros das classes sociais A e B, que se consideram aventureiros do mundo moderno dirigindo motorhomes ultramodernos viajando com o dinheiro obtido nas plataformas de crowdfunding, apenas com a desculpa de que trabalham com marketing digital, no entanto, poucos indivíduos de fato viajam como nômades digitais ou trabalham para plataformas internacionais ou ganham recursos financeiros para viajar em troca de conteúdo. 


O que muitas pessoas não sabem é que, a montagem de um motorhome sobre o chassi de uma Kombi, pick-up ou van custa em média US$ 30 mil, sem contar o valor do carro, montagens caseiras podem ficar em torno de US$ 5 mil, mas há motorhomes que chegam a custar só à montagem mais de US$ 100 mil, ou seja, é um lazer um tanto caro para pessoas que não estão nas classes sociais mais abastadas.

Analisando detalhadamente muitas das plataformas de financiamento colaborativo, podemos encontrar milhares de projetos com um único objetivo: turismo cultural sustentável vinculado a nada, ou seja, é apenas uma máscara para dizer que precisam curtir a vida viajando com o dinheiro alheio. É um jogo bem interessante, onde se percebe que a mendigagem virou um negócio rentável para aqueles que almejam viajar com dinheiro alheio sem se incomodar com o fato de estarem prometendo algo inexistente, na certeza de que desfrutarão o melhor sem se preocupar com nada.

No entanto, observamos que os mesmos indivíduos que criticam a mendigagem nas ruas, por acreditarem que esmolas incentivam a vagabundagem são os mesmos que largam tudo, emprego, família com um único propósito: viajar, curtir a vida adoidada dizendo aos seus seguidores que são empreendedores digitais de sucesso, porém com dinheiro alheio, apenas como o objetivo de enganar pessoas ingênuas, que acreditam em facilidades, e que consequentemente colaboram e compram produtos digitais a preço de ouro.

Diferentemente dos nômades digitais, que em geral não tem casa própria, endereço fixo e muito menos salário, os novos aventureiros são cheios de si. O roteiro de viagem não é nada minguado e muito menos possuem intenção de angariar fundos financeiros para projetos sociais ou culturais, que possa realmente favorecer terceiros, o objetivo principal na verdade é apenas desfrutar o melhor que a vida possa lhes oferecer tais como, restaurantes caros, passeios mirabolantes, festas de arromba, reformas e compra de novos motorhomes, instalação e troca de placas solares mais modernas, aluguel de airbnb, passeios de lanchas, passagens de avião, roupas caras e muita, mais muita “cara de pau” na hora de pedir dinheiro.

Tais comportamentos podem parecer irreais quando analisamos a quantidade de pessoas que moram na estrada por falta de opção de moradia, e que fazem das rodovias seu ganho pão, vendendo de tudo que se pode imaginar, artesanato, roupas usadas, comida, entre outros, além daqueles que prestam serviços por onde passam. Raros são aqueles indivíduos que aproveitam a aposentadoria ou seus ganhos financeiros mensais para passear nas férias ou nos finais de semana com a família, onde o motorhome é visto apenas como um passatempo divertido.


Os viajantes modernos das classes sociais mais altas jamais se rebaixam a fazer serviços para terceiros, isso é inadmissível, preferindo ter uma loja virtual compartilhada no perfil das mais variadas redes sociais, onde vendem roupas ou acessórios a preços exorbitantes, fora da realidade, uma maneira de angariar mais dinheiro e fazer com que os compradores façam propaganda gratuita de seus artigos pessoais com o logo de seu “vulgo projeto social”, alegando que estão trabalhando com marketing digital, quando na verdade estão apenas explorando a boa intenção alheia.  

Agora, não pensem que eles se incomodam com essa maneira fácil de ganhar dinheiro, jamais, pois não faz parte do roteiro de vida perder, apenas ganhar cada vez mais vendendo ilusões e ainda fazer o discurso de que é acessível para qualquer pessoa, que aplique o mesmo golpe, é claro.

Projetos sociais e culturais mínguam nas plataformas de financiamento coletivo por falta de colaboradores interessados em promover cultura aos mais necessitados. Excelentes projetos ficam a mercê de algum ganho financeiro, onde os idealizadores nem sempre conseguem tirar do papel o que realmente seria socialmente vantajoso para quem realmente necessita de amparo.

A mendigagem recriminada pela maioria das pessoas que condenam quem as pede, não é vista com maus olhos por aqueles que fazem dela um jogo de estratégia em benefício próprio, ora, não sejamos tão hipócritas a ponto de não perceber que este negócio só faz com que a desigualdade social cresça cada vez mais no mundo.

Enquanto tivermos pessoas mal intencionadas explorando a boa intenção alheia, continuaremos tendo pessoas bem intencionadas morrendo de fome. Não ajude um aventureiro burguês, colabore sim com quem tem projetos que realmente farão bom uso do dinheiro ajudando a diminuir a desigualdade social, cultural e tecnológica, que separa os cidadãos ao redor do mundo.

Saiba que o aventureiro moderno que pede dinheiro em plataformas de crowdfunding, não se intimida em pedir ajuda financeira de colaboradores nas redes sociais, nos chats virtuais, nas redes de bate papo, além de venderem produtos em suas lojas virtuais, porque eles sabem que o dinheiro vem fácil em troca de uma promessa que adoça a insensatez daqueles que não enxergam maldade neste tipo de atitude. 

No entanto, estes aventureiros são os mesmos que debocham da cara dos tolos que aplicam seu dinheiro em viagens que jamais realizarão na vida, recebendo em troca diversas desculpas, que vão desde a exaustiva rotina de preparar e editar vídeos de viagem até os altos custos com alimentação, combustível, pedágios e o pagamento de altas taxas nas fronteiras dos países em que passam.

Apesar de muitos destes indivíduos alegarem que estão proporcionando conteúdo de qualidade para quem não pode viajar, também são os mesmos que incentivam outras pessoas da mesma classe social a investirem seu tempo criando falsos projetos sociais e culturais no intuíto de angariar fundos financeiros e mendigando nas redes sociais, a fim de aproveitarem apenas o momento áureo a que passam.

Como dizem por aí, o mundo é dos espertos, dos trapaceiros, dos golpistas, dos mercenários e dos egoístas, pensem bem antes de investirem seu dinheiro suado em projetos de realização pessoal que não proporcionam nada de bom a ninguém, apenas inflam o ego daqueles que estão acostumados a enganar os outros usufruindo dos seus benefícios!


Artigo protegido pela Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. É PROIBIDO copiar, imprimir ou armazenar de qualquer modo o artigo aqui exposto, pois está registrado.



Licença Creative Commons
O trabalho O lado podre da mendigagem de Marisa Fonseca Diniz está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://marisadiniznetworking.blogspot.com/2020/05/o-lado-podre-da-mendigagem.html.

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