Marisa Fonseca Diniz
Não há nada mais desagradável na vida do que precisar
utilizar o banheiro em uma estação rodoviária, ferroviária ou aeroporto e se
deparar com cenas deploráveis. O ladrilho todo molhado de urina e objetos não
identificados boiando ou entupindo a latrina, o que denota total falta de
empatia de quem usou o resinto sem se importar com quem iria usá-lo em seguida.
É exatamente dessa maneira que o sistema de saúde público brasileiro se
comporta depois de ter seus atendimentos terceirizados e largados nas mãos das
OSS – Organizações Sociais de Saúde, que deveriam priorizar o atendimento
respeitando os direitos dos usuários, mas que na verdade pouco se importam com
isso tratando os indivíduos que buscam atendimento médico como dejetos
indesejados que entopem o sistema.
Nossos antepassados diziam que a educação vinha de berço,
atualmente não temos a menor dúvida de que a educação vem da latrina. Se as
pessoas que usam o banheiro de maneira torpe pouco se importam em deixá-lo
limpo para os demais usuários, que diria os funcionários contratados das OSS,
que com toda a sua ineficiência profissional acreditam estar em patamares superiores
aos dos usuários do sistema público.
Para um melhor entendimento, as Organizações Sociais de
Saúde, OSS, são instituições filantrópicas do terceiro setor, sem fins
lucrativos, responsáveis pelo gerenciamento de serviços de saúde do SUS –
Sistema Único de Saúde em todo país, que trabalham em parceria com as
secretarias municipais e estaduais de saúde.
Não há nada mais abominável do que ficar por alguns
minutos analisando o tratamento que é oferecido aos usuários do SUS – Sistema
Único de Saúde, órgão este que tem por OBRIGAÇÃO fiscalizar as OSS para que as mesmas
cumpram com seu papel de gestoras e prestadoras de serviço de saúde à
população. O tratamento dado aos pacientes é cem vezes pior do que o tratamento
dado aos cavalos idosos e sem pedigree nos estábulos.
A arrogância de alguns profissionais técnicos da área da
saúde, bem como do administrativo é de espantar qualquer profissional especializado
na área de gestão e processos, o que nos leva a crer que os profissionais
contratados pelas OSS devem ter passado anos a fio em universidades de primeira
linha, apenas curtindo as festas regadas a bebida e drogas sem se importar com os
demais ao seu redor.
Protocolos de saúde determinados pelo Ministério da Saúde
ou pela Organização Mundial da Saúde - OMS são totalmente ignorados por
profissionais que desconhecem certas doenças, sejam raras ou não, fazendo com que
os pacientes levem mais tempo para conseguir tratamento médico adequado para
seus problemas de saúde, isso quando conseguem, já que muitos acabam morrendo
na fila de espera devido a burocracia.
Problemas simples podem virar uma grande dor de cabeça
para quem busca atendimento especializado no serviço público, uma simples cárie
ou um dente quebrado pode ser extraído desnecessariamente simplesmente por
comodidade odontológica de uma equipe ineficiente, na intenção de burlar o
sistema e fazer com que o paciente desista do tratamento, pior ainda se este
cidadão tiver alguma comorbidade específica e precisar de um relatório de outro
médico para fazer qualquer tipo de procedimento. O intuito não é facilitar o
acesso ao tratamento e sim dificultar. Uma população sem dentes é mais rentável
as OSS, já que demandam de próteses e dentaduras, que apesar de onerosas aos SUS são muito mais rentáveis ao caixa das OSS do que qualquer tipo de
tratamento dentário.
A amputação errada de uma perna decorrente de uma gangrena,
a administração de um remédio feita de maneira equivocada, o tratamento
ineficiente de uma doença por desconhecimento técnico ou simplesmente culpabilizar
o paciente por determinados insucessos médicos é o que há de mais normal neste
sistema falho.
A prerrogativa da gestão das OSS é simplesmente ter
quantidade de atendimentos e não qualidade nos tratamentos fazendo com que os
cidadãos que recorrem a este tipo de serviço público saiam totalmente insatisfeitos
com o atendimento, pois estão cientes de que os seus problemas de saúde jamais
serão sanados e consequentemente poderão parar em um hospital público
administrado por estas mesmas organizações, onde correm o risco de saírem de
lá dentro de um caixão.
A culpa pela falta de comprometimento na continuidade de tratamentos
médicos de qualidade sobrecai sempre sobre os pacientes do SUS, nunca sobre os gestores
das OSS, o que tem colaborado com a precariedade do sistema contrariando dessa
forma as promessas políticas passadas de que a terceirização do SUS favoreceria os cidadãos na qualidade dos atendimentos médicos, uma grande falácia
eleitoreira.
A burocracia dos processos clínicos das OSS vai muito mais
além do que se pode imaginar. É de praxe os atendentes das OSS ligarem em cima
da hora desmarcando consultas médicas e exames de alta complexidade com a
justificativa de que o profissional envolvido precisou viajar a um congresso ou
emendou o dia para aproveitar melhor o feriado prolongado ficando desse modo
impossível remarcar consultas de retorno ou exames, o que faz com que os
pacientes voltem para o final da fila dos atendimentos.
Por mais que o cidadão fique indignado com tais
situações, não há outro jeito a não ser entrar em contato com o Sistema
Único de Saúde, SUS, e registrar uma reclamação pelo péssimo
atendimento recebido. Em certas situações, o problema pode ficar ainda pior
quando o paciente lesado tiver preferência de atendimento médico e perceber que
seus direitos estão sendo ignorados.
A Constituição Federal de 1988 garante que a Saúde é
direito de todos e dever do Estado, no entanto não é bem isso que vem
acontecendo nos últimos 23 anos, a saber, as OSS surgiram no Estado de São Paulo e são
respaldadas por lei nacional. Desde então começaram a se espalhar por todo
território nacional com fiscalização precária do SUS, e acabaram se tornando um grande
problema para a população invés de uma solução.
Frequentemente podemos presenciar situações de total
desajuste do corpo administrativo e técnico das unidades médicas, onde há gritaria, o atendimento ríspido e a estúrdia se fazem presentes. O descuido com
a saúde alheia é de se admirar, em se pensar que muitos dos profissionais que
ali estão perderam anos de sua vida estudando para no final mostrarem que a
educação básica passou longe e foi parar dentro da latrina.
Qualquer indivíduo que esteja interessado em passar em
uma consulta médica pelas unidades básicas de saúde terá que ter muito sangue
frio e paciência, uma vez que o atendimento precário já começa nos balcões de
atendimento. Profissionais despreparados e imaturos tendem a repassar
informações equivocadas aos interessados, e quando são confrontados se fazem de
desentendidos e culpam sem o menor pudor os pacientes.
Saiba que é muito comum ser atendido nas Unidades de
Pronto Atendimento, UPA, por profissionais despreparados, estressados e
obrigados a remendar o que não foi feito pelos colegas de profissão nas
unidades básicas e nas clínicas de especialidades. Nem adianta reclamar, pois
não há fila preferencial e o que é urgência para o enfermo pode ser considerado
algo sem a menor importância para o enfermeiro que faz a triagem inicial. Caso você esteja enfartando
de nada adiantará sair correndo para a UPA, pois o máximo que poderão
fazer por você é arranjar uma cadeira dura para sentar e aguardar o atendimento. Tempo
suficiente para aproveitar os últimos minutos de vida.
A saúde está falida no Brasil? Não.
A saúde está na verdade mal administrada. Os governantes queriam
se ver livre da administração e do grande contingente de usuários no Sistema
Único de Saúde em seus Estados e Municípios, e preferiram dar um jeitinho.
Fizeram falsas promessas eleitoreiras à população e terceirizaram o problema,
enriquecendo as instituições filantrópicas.
A terceirização da saúde resolveu o problema? Não, simplesmente o
problema mudou de mãos, agora está na iniciativa privada, ou melhor, nas
Organizações Sociais de Saúde. O problema continua cada vez pior para quem
depende integralmente do sistema público de saúde.
Na cidade mais populosa do continente americano, São
Paulo – Brasil, os gastos das OSS cresceram mais de R$ 1,6 bilhão nos últimos 4
anos, indo na via contrária ao cumprimento das metas, ou seja, agilidade na
gestão, economia de recursos, facilidade na contratação de profissionais e um
melhor atendimento à população. A base do atendimento à população é ineficaz, o
que comprova os relatórios de metas da saúde, onde as Unidades Básicas de Saúde
não cumprem suas obrigatoriedades no atendimento pediátrico, ginecológico,
clínica médica e Saúde da Família, coincidentemente a maioria delas administradas
pela mesma OSS (SPDM - Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina)
responsável também pelos hospitais de especialidades e hospitais de emergência.
Segundo dados da Pesquisa
Viver em São Paulo de 2019,
56% da população da cidade de São Paulo considera a prestação de serviços das
OSS como péssima ou ruim, no entanto para as OSS está tudo indo muito bem, uma vez
que estas instituições filantrópicas estão isentas de qualquer tributação e responsabilidade.
O mais agravante é que apesar de todo este embrolho
político e social, as OSS são as únicas neste jogo de poder que continuam se
beneficiando com a desgraça alheia e entregando um excremento de gestão pública
da saúde. Pacientes oncológicos morrem na fila do descaso, cardiopatas caem
duros nas calçadas dos hospitais, diabéticos tem membros amputados por incompetência
médica, pacientes neurológicos ficam sem movimentos por terem sido ignorados
porque os responsáveis estavam batendo papo e contando as novidades dos finais
de semana.
O atendimento público do
SUS era péssimo ou na verdade os gestores públicos é que eram incompetentes? Vamos
privatizar tudo e enriquecer a corrupção. Depois contamos uma mentira ao mundo
e todos irão acreditar que o sistema público de saúde é um sucesso.
Segundo o cardiômetro
da Sociedade Brasileira de Cardiologia, que registra o total de mortes no
Brasil só este ano de 2021, já morreram mais de 370 mil pessoas de doenças
cardiovasculares. Será que todas estas pessoas desconheciam suas comorbidades
ou na verdade elas não tiveram acesso e muito menos tratamento de qualidade nas
OSS? Com certeza a maioria destas pessoas se quer teve a oportunidade de ser
encaminhada a um especialista ou tiveram acesso a um tratamento de qualidade.
Desnecessário o governo federal gastar milhões com
propaganda sobre saúde, uma vez que muitos dos cidadãos brasileiros sequer
conseguem o primeiro atendimento nas unidades básicas ou tem acesso em suas
cidades a hospitais equipados para atender emergências. Por outro lado temos um
alto gestor no governo federal que não acredita na ciência e prefere apoiar
curas milagrosas com remédios ineficazes.
Triste saber que o país
arrecada trilhões em impostos (impostômetro),
e distribui milhões para organizações nada assistenciais, simplesmente porque
não fiscaliza seu sistema de saúde por preguiça e incompetência, apenas por
interesses escusos e eleitoreiros.
Lanço um desafio
O desafio é para aquelas pessoas com
comorbidades graves e que não estão acreditando que as OSS são cruéis a ponto
de deixar os pacientes desamparados e sem tratamento adequado. Tente conseguir
tratamento especializado em 6 meses desde o primeiro atendimento nas unidades
básicas de saúde até exames e cirurgias complexas. Se conseguir sair vivo deste
desafio, sinta-se feliz e comemore, caso contrário mande lembranças do outro
lado da vida!
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1998. É PROIBIDO copiar, imprimir ou
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O trabalho A educação começa na latrina de Marisa Fonseca Diniz está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em https://marisadiniznetworking.blogspot.com/2021/12/a-educacao-comeca-na-latrina.html.
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